Canoinhense fundador do PGC comanda crime da cadeia


Setenta, quando em liberdade, em foto cedida pela família/Divulgação

Nelson de Lima, o Setenta, é acusado de dar ordens de dentro de uma penitenciária 

 

 

Há seis anos atrás das grades, cumprindo pena em uma Penitenciária Federal em Mato Grosso do Sul, o canoinhense Nelson de Lima, o Setenta, 42 anos, continua comandando o crime de dentro da cadeia. É o que concluiu órgãos de segurança pública catarinenses ao abrir várias frentes de investigação após a última onda de ataques a ônibus, a órgãos de segurança pública e a policiais nas ruas de Santa Catarina, no final de 2014.

Segundo reportagem do jornal Diário Catarinense, policiais civis conseguiram identificar, mapear e prender uma extensa rede de traficantes que abastece o Estado e turbina uma série de outros crimes a partir da fronteira com mais três Estados e o Paraguai.

Além de desmantelar em uma nova ofensiva a estrutura financeira da facção Primeiro Grupo Catarinense (PGC), fundado por Setenta, o trabalho revela a continuidade da intensa associação entre bandidos que estão presos e em liberdade numa conexão interestadual que envolve criminosos no Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, além do Paraguai.

A apuração sobre negócios ilícitos na região fronteiriça, cujos comandos demonstram nascer e se permear nas cadeias sob os olhos do Estado, está em mais de 3 mil páginas que levaram o juiz da unidade de apuração de crimes praticados por organização criminosas em Florianópolis, Rafael Brüning, a decretar 17 prisões preventivas — ao total são 21 envolvidos.

Policiais afirmam que foram identificados dois núcleos distintos aliados ao PGC encarregados do transporte de maconha, cocaína e crack das regiões da fronteira para SC. Os principais personagens apontados e incriminados são dois homens, um deles é Setenta.

Um dos fundadores do PGC no começo dos anos 2000 na Grande Florianópolis, Setenta usa a intensa rede de contatos que possui nas regiões fronteiriças com o Paraguai. Ele também seria elo entre os criminosos da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, que amplia os crimes e busca avançar em SC e no próprio Paraguai.

Policiais da Divisão Especializada de Combate ao Narcotráfico (Denarc) da Deic monitoraram dezenas de suspeitos pela movimentação de drogas entre SC e a fronteira com o Paraguai e a Bolívia. Na investigação surgiram confissões de crimes como homicídio, combinações para roubo de carros, sequestros e negociações de fuzis.

Assaltos, furtos, receptação e adulteração de veículos aparecem como outros crimes envoltos na organização criminosa que comanda o tráfico de drogas com a conexão catarinense e os outros estados até o Paraguai.

Nas conversas grampeadas, policiais verificaram que criminosos livres e presos buscam contatos que transportem a compra e venda de droga, principal fonte de renda da facção e dos membros, assim como todo e qualquer crime que possa trazer lucro. Das cadeias, saem ordens para delitos como o roubo em residência, ao comércio, de veículos, a bancos, sequestros, além de crimes contra a vida.

 

 

Setenta chegou a passar meses em Canoinhas em 2010

Em 2013, o Diário do Planalto publicou reportagem traçando um perfil de Setenta a partir do que relatou sua irmã mais velha, Soedeli Jungles de Lima, que, divorciada, vive com duas filhas no bairro Piedade, em Canoinhas.

Setenta – simplesmente a soma de anos de cadeia que ele deveria cumprir – nasceu e cresceu em Canoinhas, no distrito do Campo d’Água Verde, mais precisamente na Vila Zaniolo, conjunto habitacional criado para moradia dos funcionários da empresa. Os pais de Nelson trabalhavam na empresa que fechou na década de 1990. Antes dos dois anos de idade perdeu o pai, vítima de derrame. A mãe morreu quando ele tinha seis anos por causa de um câncer. Dos seis irmãos, sobrou para a irmã mais velha cuidar do caçula Nelson.

Quando Setenta tinha 17 anos, foi embora para Caçador com Soedeli e sua família. “Ele era um piá muito tranquilo”, contou a irmã em 2013. Em Caçador, arrumou emprego de garçom, conheceu uma cozinheira com quem teve um caso e acabou indo morar com ela, enquanto Soedeli voltou com a família para Canoinhas.

Com a namorada, Setenta iniciou um negócio – representação de lojas de confecções. O negócio foi mais promissor do que o restaurante. Ele fazia representação por toda a região, inclusive em Canoinhas. Foi justamente na sua terra natal que pegou sua primeira pena. Segundo Soedeli, ele emprestou dinheiro a um amigo que trabalhava como garçom no Clube Laffayette. No dia de cobrir uma série de cheques para a empresa que representava, não conseguiu reaver o dinheiro com o suposto amigo. Dias depois teria recebido um recado de que o garçom teria dito que quando ele viesse cobrar o dinheiro, seria recebido à bala. Na linha de raciocínio ‘é ele ou eu’, teria ido armado cobrar o colega. Os dois discutiram e ele matou o garçom. Para a Polícia, foi latrocínio (matar para roubar). Acabou sendo julgado e condenado.

 

DO HOMICÍDIO AO ROUBO

Há 18 anos Setenta foi preso pelo primeiro homicídio. Mas não esquentou muito o banco na cadeia. Acabou fugindo e foi parar no Paraguai, onde, segundo Soedeli, seguia a filosofia de Robin Hood – roubava caminhões de grandes frotas do Brasil e vendia no Paraguai. Nessa rotina, ele passou dois anos, até ser pego visitando familiares em Caçador. Foi levado a Florianópolis, onde ficou preso por quatro anos. De lá, foi para São Pedro de Alcântara, o ninho do PGC. “Culpo-me pelo que aconteceu lá, porque nós não concordávamos com o que ele fazia e pra castigar mesmo, não íamos visitá-lo”, contou Soedeli. A sensação de abandono e a desorganização do presídio fez florescer o espírito de liderança de Setenta. Com a sigla PGC, inspirado no movimento que domina o submundo do crime em São Paulo, o PCC, mas que segundo Soedeli, tem uma central nacional em Natal (RN), surgiu o Primeiro Grupo Catarinense (PGC). A ideia inicial era promover intercâmbio entre criminosos que estão fora e que estão dentro da cadeia.

Divergências entre outros líderes do PGC, no entanto, levaram Setenta a deixar o cargo máximo dentro da facção. Ele hoje é jurado de morte pelos próprios ex-aliados. Antes, cometeu seu segundo homicídio, matou um dos líderes de uma facção rival do PGC, o que lhe garantiu ser jurado de morte pelos ex-aliados e pelos que nunca foram seus aliados.

A bomba-relógio que se tornou Setenta fez com que ele fosse transferido para Curitibanos, onde ficou por sete meses.

 

FORA DO ESTADO

Santa Catarina via em Setenta um líder nato, capaz de criar outra facção tão perigosa quanto o PGC, que já dava incômodo o suficiente as autoridades. A solução foi transferi-lo para um presídio federal. Assim, Setenta foi despachado para o Mato Grosso do Sul. Ele ficou oito anos detido no Presídio Federal de Campo Grande, quando enfim conseguiu indulto de Natal. Os sete dias que teve para passar com a família no bairro Piedade duraram três meses. Foragido, Setenta passava os dias na casa da irmã. Evitava ao máximo sair da casa de muro alto. Segundo Soedeli, enquanto para os novos líderes do PGC, ele estava destituído da facção, para a liderança nacional das facções, em Natal, o seu afastamento não estava bem explicado. Eles pediram para ele ir a Florianópolis para uma conversa. Na ida, teria sido detido. A versão da Polícia é de que Setenta foi preso com o carro recheado de drogas. Foi então que Setenta foi para a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS).

 

 

 

POR DENTRO DO PGC

Como funciona a facção criminosa que aterroriza Santa Catarina

Irmão paga o dízimo. É lei. Todos os membros do PGC (Primeiro Grupo Catarinense) conhecem o estatuto da facção criminosa criada dentro da Penitenciária de São Pedro de Alcântara dia 3 de março de 2003 por Setenta.

Quem der calote cumpre a pena – ou melhor, não cumpre é executado. Essa norma faz com que o PGC arrecade por ano, aproximadamente, R$ 1,6 milhão.
São aproximadamente 1.400 afiliados no Estado. Cada um paga R$ 100 por mês para o dízimo. Com exceções: presos libertos têm três meses de carência. No quinto mês de atraso “o responsa é cobrado com rigor”.
O objetivo é investir no tráfico – a fonte de renda dos 20 ministros que lideram a facção. Para fortalecer o mercado valem outros crimes. Menos sexuais. Duques, como são chamados réus condenados pelos artigos 213, estupro, e 214, atentado violento ao puder, não são aceitos no PGC.

Homicídios, roubos, furtos e latrocínio têm como objetivo comum o fortalecimento das bocas. Nos assaltos, 10% vão para facção. O dinheiro é usado para pagar advogados, o transporte das visitas, a corrupção de agentes penitenciários e compra de armas e drogas para alimentar as bocas.
Nem todos os traficantes têm envolvimento com o PGC. Mas todos têm que contribuir. É a forma de garantir proteção e privilégios na cadeia.
Entre os objetivos do PGC, o principal é organizar e expandir o crime na rua. No ano de criação da facção, os maiores traficantes de Florianópolis estavam presos. Nessa época, a cidade acobertava a disputa silenciosa pelos pontos de vendas. A facção fortaleceu-se sorrateira dentro do cárcere. O Estado a negou por nove anos, até a morte de Deise Fernanda Melo Pereira Alves, em 2012. A agente prisional foi executada na frente de casa, no bairro Roçado, em São José, no lugar do marido – o diretor linha-dura da Penitenciária de São Pedro de Alcântara Carlos Alves – que estava em Brasília.
Dez dias depois, o viúvo participou do espancamento dos detentos. O Deap (Departamento de Administração Prisional) explicou o episódio que lesionou 69 prisioneiros como contenção de um princípio de motim. No mês seguinte, vídeos mostram ministros do PGC ordenando atentados por represália à violência dentro da Penitenciária. Ônibus queimados, bases da polícia metralhadas, mortes: o chamado “salve geral”, antes restrito a bilhetinhos interceptados pelo Deap tornou-se público através da mídia. Cenas que se repetiram no ano seguinte.





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