João Maria de Agostini: o monge santo na região do Contestado


Lápide de João Maria de Agostini. Cemitério de Mesilla, Estado do Novo México, EUA. Foto do acervo pessoal do historiador Alexandre Karsburg

As pesquisas científicas evidenciam que duas figuras estiveram diretamente envolvidas com a história da região do Contestado

 

 

Decorrido mais de um século desde o advento do monge João Maria, as populações residentes no sul do Brasil ainda o consideram um santo genuíno. Embora inexista o reconhecimento oficial da Igreja, a figura do monge é venerada por muitos devotos. A imagem do santo popular foi se consolidando ao longo dos séculos XIX e XX, e atualmente têm-se o conhecimento de que não houve apenas um monge, mas diferentes pessoas que o protagonizaram. As pesquisas científicas evidenciam que duas figuras estiveram diretamente envolvidas com a história da região do Contestado, dois monges que assumiram a denominação João Maria: João Maria de Agostini e João Maria de Jesus.

 

 

 

No que concerne ao monge João Maria de Jesus (o 2.º monge), os registros históricos indicam que viveu na região do planalto catarinense entre os anos de 1890 e 1908. Sua presença física e espiritual contribuiu para a formação de um sentimento comum entre os moradores da região, que influenciou a edificação de um ímpeto de resistência contra as injustiças praticadas pelos governantes e pelas companhias estrangeiras instaladas a partir de 1910. Sabe-se, hodiernamente, que muitos movimentos sociais se desenvolveram tendo por base os ensinamentos do monge João Maria de Jesus, desde a Guerra do Contestado (1912-1916), até o movimento dos Alonsos, deflagrado em Timbó Grande, no ano de 1942.

 

 

 

 

Não obstante os feitos atribuídos ao monge João Maria de Jesus, a história de João Maria e sua santidade teve início com outro indivíduo, Giovanni Maria de Agostini. Nascido no ano de 1801, na província de Novara, região do Piemonte, na Itália, ainda jovem iniciou os estudos em um colégio franciscano, com o intuito de se tornar padre. Por volta de 1820, declarou ter tido uma visão da Nossa Senhora, que o teria aconselhado a pregar a palavra de Deus, mundo afora, como um eremita, ou seja, alguém que evita o convívio social, vivendo isoladamente. Subsequentemente, abandonou as atividades eclesiásticas e iniciou sua peregrinação pela Europa. No ano de 1837, decidiu rumar à América, desembarcando em Caracas, capital da Venezuela. Em constante peregrinação, Agostini transitou pelo Peru, Brasil e Argentina, retornou ao Brasil, e seguiu para Cuba, México e, por último, Estados Unidos da América.

 

 

 

 

 

Sua chegada ao Brasil ocorreu no mês de maio de 1843, em Tabatinga, uma aldeia localizada na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia. Viajando de barco, atravessou a região por meio do Rio Amazonas e, nas palavras do próprio monge: “Continuei indo ao leste, e cheguei à Foz do grande Rio para, na sequência, seguir pela costa, passando por Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, onde parei por algum tempo” (WOLFE, 1925). No dia 18 de agosto de 1844, João Maria, a bordo do Vapor Imperatriz, desembarcou no porto do Rio de Janeiro.

 

 

 

 

Transcorridos quatro meses, outro registro documental indicava a presença do italiano na cidade de Sorocaba. O livro de registro da cidade contém, na data de 24 de dezembro de 1844, a referência a um indivíduo denominado João Maria d’Agostinho, que apresentava uma deficiência nos três dedos menores da mão esquerda.

 

 

 

 

À época, a cidade de Sorocaba consistia no ponto final do Caminho de Tropas, um conjunto de rotas utilizadas pelos tropeiros, que tangiam o gado desde o Rio Grande do Sul. O italiano seguiu esse caminho e chegou ao município de Santa Maria (RS). Naquele período, iniciaram os ajuntamentos de populares no entorno do monge, em busca de curas – principalmente por meio das ‘águas santas’ – e orientação espiritual. Em pouco tempo, os ajuntamentos de milhares de pessoas em torno de Agostini chamaram a atenção das autoridades, e ele foi preso, acusado de “charlatanismo, impostura e falsas promessas de cura e apresentar-se como religioso sem possuir o ordenamento correspondente”.

 

 

 

 

Posteriormente, em 1848, o monge desembarcou em Desterro, atual Florianópolis. No início de 1849, João Maria já era reconhecido como um santo, e obteve refúgio na Ilha do Arvoredo, em Santa Catarina. Durante o breve período em que esteve na ilha, atraiu atenção dos pescadores da região, que também passaram a reconhecê-lo como um santo, com poderes curativos procedentes das ‘águas santas’. Preocupado com a possibilidade de ser reprimido pelas autoridades, Agostini solicitou ao governo de Santa Catarina permissão para partir da Ilha do Arvoredo. Ainda no ano de 1849, o então ministro da Justiça, Euzébio de Queiroz, concedeu salvo-conduto ao monge, inocentando-o de todas as acusações.

 

 

 

 

Na década de 1850, após nova passagem por Sorocaba e Lapa, João Maria de Agostini deixou o Brasil e prosseguiu com suas peregrinações pelo continente americano, destacando-se suas passagens por Cuba, México e Estados Unidos. De acordo com pesquisadores norte-americanos, no decorrer da década de 1860, Juan Maria de Agostini (em espanhol) peregrinou e promoveu inúmeras curas nos estados do Novo México e Texas. Na região estadunidense do Novo México, morou no “Cerro Tecolote” (depois chamado de “Hermit’s Peak”, o Pico do Eremita) e atraía centenas de pessoas que buscavam bênçãos, conselhos e curas. As curas eram praticadas com o uso de ervas encontradas naquele território, e, também, de uma fonte de água localizada em uma gruta, onde residiu.

 

 

 

 

João Maria de Agostini faleceu em 17 de abril de 1869, vítima de assassinato. Foi encontrado morto por um grupo de moradores locais, em sua maioria ilustres proprietários rurais, que eram seus devotos. O corpo do monge foi enterrado na cidade de Mesilla, estado do Novo México, Estados Unidos. O epitáfio em sua lápide continha a inscrição: “John Mary Agostiniani. Hermit of the Old and New World. He died the 17th of April, 1869, at 69 years and 49 years a hermit”, cuja tradução literal é: João Maria de Agostini. Eremita do Velho e do Novo Mundo. Morreu em 17 de abril de 1869, aos 69 anos e 49 anos como um eremita (Archuletta, Holden, 2003, p. 285).

 

 

 

 

A constatação de que John Mary, falecido nos EUA, era o mesmo indivíduo que por muitos anos peregrinou pelo Brasil, é comprovada pelos historiadores com base em diversos indícios documentais, contudo, a prova cabal adveio daquele registro realizado em Sorocaba, mencionado anteriormente, de que o monge era “aleijado de três dedos da mão esquerda”, conforme se depreende da foto abaixo:

 

Fonte: Arquivos da Universidade do Estado
do Novo México, Santa Fé, Estados Unidos

 

 

A foto é datada do ano de 1863, quando John Mary esteve na cidade de Santa Fé, no estado do Novo México (EUA). A foto foi encontrada entre os pertences do monge, morto em abril de 1869. O “aleijão” nos três dedos da mão esquerda corresponde exatamente à descrição realizada pelo escrivão da cidade de Sorocaba (SP), conforme descoberto por Karsburg (2012).

 

 

 

 

A passagem do eremita italiano pelo Brasil, entre os anos de 1844 e 1860, e, em especial, pelo sul do Brasil, entre os anos de 1848 e 1849, resultou na formação de uma tradição religiosa firmemente arraigada, que ainda hoje se manifesta na região do Contestado. A trajetória e os ensinamentos do monge italiano inspiraram outros a seguir o seu modo de vida e, principalmente, imbuíram de fé e esperança milhares de pessoas, em diferentes países.

 

 

 

Esperamos que os ensinamentos de São João Maria, e a consequente fé que suscita, nos inspirem a superar nossas próprias adversidades.

 

 

 

Fé no monge!

 

 

 

Na próxima coluna:

A história das greves deflagradas pelos trabalhadores na Lumber Company em Três Barras.





Deixe seu comentário: